quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O Modelo Actancial de A.J. Greimas:



                               Destinador                                                      Destinatário

                                                                    Sujeito

                                                                   Objeto

                               Adjuvante                                                        Oponente




Analisando “Senhorita Júlia”, de Strindberg:

- Levando em conta as considerações de Anne Ubersfeld -


Tomando-se a personagem JÚLIA como SUJEITO

Teremos o mordomo JOÃO como sendo seu OBJETO de desejo

O DESTINADOR, que motiva o sujeito a desejar o objeto, seria a
ATRAÇÃO SEXUAL que Júlia sente por João

Como DESTINATÁRIO, a própria JÚLIA, que será a maior beneficiada se ela, enquanto sujeito, obter o objeto desejado (João) e também JOÃO – mas é preciso considerar aqui as dúvidas e contradições de Júlia, que ora quer João, ora não quer, e também de João, que também oscila entre os dois quereres, contraditórios;

por isso mesmo, JÚLIA é, simultaneamente SUJEITO (que deseja João) e OPONENTE (a este mesmo desejo), devido aos preconceitos sociais que tem, considerando o mordomo como um ser inferior e, portanto, indigno de estar com ela no “mesmo nível”;

do mesmo modo que JOÃO é, concomitantemente, OBJETO, ADJUVANTE e PONENTE – em dado momento quer fugir com Júlia, em outro a menospreza e quer livrar-se dela.     


Assim teríamos:

ATRAÇÃO SEXUAL que Júlia sente por João                                                 JÚLIA
                       (destinador)                                                                            (destinatário)


                                                                          JÚLIA
                                                                         (sujeito)


                                                                         JOÃO
                                                                        (objeto)

                     JOÃO                                    PRECONCEITO SOCIAL DE JÚLIA, JOÃO
                  (adjuvante)                                                            (oponente)




Se tomássemos JOÃO como SUJEITO, por outro lado, as situações mudariam:

Teríamos a ASCENSÃO SOCIAL como OBJETO de desejo de João

O DESTINADOR seria, ao mesmo tempo a ATRAÇÃO SEXUAL que o mordomo sente pela jovem patroa e sua AMBIÇÃO POR ASCENDER SOCIALMENTE

Como DESTINATÁRIO, o próprio JOÃO, que será o maior beneficiado caso ele obtivesse o objeto  

Mais uma vez, não se pode desconsiderar as dúvidas e contradições de João, que se divide entre envolver-se com Júlia e seus conceitos morais, que agem como um empecilho mental;

Assim, estes PRECEITOS MORAIS, de fidelidade ao patrão que idolatra e, de certo modo, teme, é um dos OPONENTES do desejo de João.

Como ADJUVANTE, teríamos a senhorita JÚLIA, que em dado momento cede à sedução do mordomo e se entrega a este, cogitando fugir com ele, em seguida;

Simultaneamente, JÚLIA é também um OPONENTE, a partir do momento em que se torna um empecilho – quando se volta contra ele, após João matar seu canário - para que João alcance seu objetivo.     


Assim, teremos:

ATRAÇÃO SEXUAL de João por Júlia
E sua AMBIÇÃO POR ASCENDER SOCIALMENTE                                      JOÃO
                         (destinador)                                                                             (destinatário)

                                     
                                                                       JOÃO
                                                                      (sujeito)


                                                          ASCENSÃO SOCIAL
                                                                      (objeto)



                JÚLIA                                             JÚLIA, PRECEITOS MORAIS de JOÃO
             (adjuvante)                                                                  (oponente)

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Algumas considerações semiológicas sobre Senhorita Júlia

          Escolhi Senhorita Júlia (1888), do dramaturgo sueco August Strindberg (1849-1912), porque é um texto que apresenta alguns signos teatrais bem definidos e que, acredito, tornam a análise mais interessante. Outra razão, foi ter assistido a versão cinematográfica de Mike Figgis (1999) que - embora não se trate de uma peça, mas de um filme – possibilita uma análise comparativa entre as “propostas” do texto e “escolhas” feitas para a representação.

          O canário, que Júlia se recusa a abandonar, na hora de fugir com o mordomo, João – e que na sequência é morto por ele, com um golpe rápido e preciso – é, no texto dramatúrgico, um signal teatral, no sentido de ter sido intencional, por parte do autor, ponto de partida da discórdia entre os dois personagens, a ação que intensifica o conflito entre ambos e desencadeia uma série de ofensas mútuas. No texto, porém, ela própria sugere o trágico destino do pássaro. Ao se negar a deixá-lo pra trás e, percebendo a clara reação de João, que lhe ordena que largue a gaiola, Júlia se recusa a deixá-lo “em mão estranhas” e sentencia: “Prefiro que o mates”. No filme, por outro lado, parte das falas do diálogo original foram suprimidas, o que sugere outras proporções à ação do mordomo, que parece ainda mais insensível, calculista e cruel.

          No que tange à representação, algumas escolhas do diretor (sinais) atribuem toques poéticos à trama, tal como o líquido vermelho que jorra na fonte, evidenciando, de forma simbólica, o suicídio de Júlia. Os trajes do senhor Conde, pendurados na cozinha, representam, na forma de um código, a presença constante do pai e patrão, que os recorda, constantemente, das convenções sociais e do “terrível crime” que cometeram: ela, como jovem condessa, que jamais deveria relacionar-se intimamente com os criados; ele, como mordomo, fiel servo, que jamais poderia ter traído a confiança do admirado patrão.

          A escolha de Figgis para os atores - se foi proposital ou acaso, desconheço -, tendo a atriz inglesa Saffron Burrows como Julie e o escocês Peter Mullan no papel de Jean foi, além de muito feliz – a interpretação de ambos é irretocável - , curiosa. Ao optar por uma jovem condessa bem mais alta que o criado, Figgis intensifica a suposta superioridade dela, ao mesmo tempo em que acentua sua fragilidade. Por outro lado, na tomada seguinte à relação sexual dos dois, as posições se invertem e Jean está agora “mais alto” que Julie, o que denota a sua situação de superioridade, frente à patroazinha, que acabou de se entregar a ele. 
              
          Também na cena final, em que Julie implora ao mordomo que a ordene que pegue a navalha, o uso de um espelho que mostra a moça desfigurada, atribui o sentido conotativo da deformidade interior da jovem condessa, que se considera sem saída, diante do remorso.


segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Teatralização-texto

         Como o sonho, o fantasma teatral admite a não-contradição, o impossível, e deles se alimenta, tornando-os não apenas significantes, mas operantes. O lugar da inverossimilhança é o lugar próprio da especificidade do teatro, à qual corresponde, na representação, a mobilidade dos signos, por exemplo, um objeto que passa de uma função para outra (escada que vira ponte, baú de tesouro que vira urna funerária, balão que vira pássaro), ou um ator que passa de um papel para outro; qualquer atentado textual ou cênico à lógica corrente do "bom senso" é teatro. O teatro, sabemos há muito, oferece a possibilidade de dizer o que não está em conformidade com o código cultural ou com a lógica social: o que é lógica ou moralmente impensável, ou socialmente escandaloso, o que deveria ser recuperado segundo procedimentos estritos, está no teatro em estado de liberdade, de justaposição contraditória. É por isso que o teatro pode designar o lugar das contradições não resolvidas. (UBERSFELD, 2005, p. 27) 


          Talvez o que mais me apaixone no teatro, entre todas as suas - para mim - irresistíveis qualidades, seja justamente as infinitas possibilidades de se dizer o que se quiser da maneira como se quiser e, concomitantemente (nossos professores adoram esta palavra!), esta maravilhosa abertura, do outro lado, do lado do receptor (espectador, público), de entender o que quer que seja dito à sua maneira particular, de acordo com seu histórico de vida, com as suas experiências, seus conceitos morais... Sua imaginação e o seu momento. Sim, porque cada um de nós pode fazer diferentes leituras de um mesmo trabalho, dependendo do momento pelo qual esteja passando. Na peça Moeda de Quatro Caras, de minha autoria, que estamos montando sob a direção da Ana Alice Müller, as personagens Alma e Diana discutem diferentes pontos de vista sobre o amor e a fidelidade e "as ideias" de uma e da outra são "materializadas" em um lenço, que passa de uma atriz à outra, dependendo da intenção que elas dão de "abraçar" ou "descartar" a ideia (no caso, o pano). Que outra arte nos permite essa magia de transformar um pedaço de pano em ideias?
          Neste mesma peça, abordamos quatro maneiras de ver a vida e encarar relacionamentos a dois. "Quatro lados de uma mesma moeda", que podem ser multiplicados infinitamente, se pensarmos que cada um de nós tem uma maneira peculiar de encará-los. Também "desnudamos" os personagens, um a um, mostrando suas fraquezas, inconstâncias, contradições, seus pensamentos, traumas e desejos, alguns que seriam considerados "moralmente impensáveis ou socialmente escandalosos" e que, portanto, de outra maneira, jamais seriam revelados. O teatro nos possibilita abordar "justaposições contraditórias" e, sobretudo, independentemente de oferecer respostas ou possíveis soluções, é um espaço para lançar questões, que podem ou não levar a reflexões, podem ou não fazer a diferença na vida dos espectadores. E é neste absoluto "estado de liberdade" - liberdade para os criadores do espetáculo, em todos os sentidos (atores, diretores, figuristas, cenógrafos, músicos; iluminadores e todas as suas centenas de escolhas, que farão toda a diferença de uma montagem à outra, ainda que do mesmo texto dramatúrgico); liberdade para os espectadores, de "fazerem com o que estão vendo/sentindo o que bem entenderem. Nada, inclusive, se for esta a sua escolha - que reside sua beleza, seu estado de graça, seu encanto... Sua magia.


          



quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Discutindo signos - índices e sinais

Levando em consideração as definições de Luis Pietro para os termos:
Índices – signos não-intencionais
Sinais – signos intencionais

“No campo da representação, os signos, verbais ou não, são em princípio todos sinais, na medida em que são teoricamente todos intencionais; o que não os impede de serem também índices (de outra coisa, que não de seu denotado principal); o que não impede a presença de uma multidão de signos índices que podem não ser considerados, voluntariamente, pelo encenador ou pelo ator, e que, no entanto, funcionam” (UBERSFELD, 2005, p.11)

          Em outras palavras, podemos considerar que todos os signos de uma montagem teatral sejam sinais, à medida em que cada elemento (a intenção das falas, o tom de voz, a movimentação cênica, o figurino, os adereços, o cenário, a iluminação, os efeitos sonoros e/ou a trilha,  etc.) foi “pensado” e definido, a partir de determinada “intenção”, pretendida pelo encenador, pelo ator ou pelo grupo – ao menos e o que se espera de um trabalho desenvolvido com compromisso e seriedade.  É preciso estar consciente, porém, que por mais definida que esta “intenção” possa ser, cada escolha feita abre margem para inúmeras interpretações, de acordo com a história de vida,  com as experiências socioculturais e políticas do expectador, que podem ser completamente diferentes do objetivo inicial proposto (por isso podem ser também considerados índices). 
          Assim, um detalhe na maquiagem que torne, involuntariamente, mais agressivo o olhar do personagem; alguns centímetros a mais ou a menos no comprimento de um figurino ou um leve coxear (porque o ator havia torcido o pé, naquele dia, por exemplo), ainda que sejam por motivo casual ou acidental, podem alterar completamente a percepção do expectador com relação ao personagem ou à peça... Estes detalhes podem ser aliados ou prejudicar o resultado almejado, mas, sem dúvida alguma, irão acrescentar informações à leitura da cena. 

          Seja como for, é preciso ter bem claro que cada mínimo detalhe funciona como um signo, no espaço cênico, e interfere na peça. Nada passa “em branco” pela plateia, tudo é visto, notado, “entendido” de alguma forma... Ainda que não seja a forma que se desejava. 

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Relação Texto-Representação

Logo no primeiro capítulo, Anne Ubersfeld nos diz que:
          (...) arte de representação que é de um dia e nunca a mesma no dia seguinte; quando muito, arte feita para uma única representação, resultado único, como queria Antonin Artaud em O Teatro e seu Duplo. Arte do hoje, representação do amanhã que se pretende a mesma de ontem, interpretada por homens que mudaram diante de novos espectadores  (UBERSFELD, 2005, p. 01).

         Desde que comecei a faculdade de Teatro - estimulada por nossos professores - já pensei inúmeras vezes sobre esta efemeridade do teatro. E acho que é exatamente isso o que faz esta arte tão especial.

                   Teatro é arte viva 

          Diferente de um filme, que você pode assistir no cinema ou em casa, quantas vezes quiser, e será exatamente igual; diferente de uma canção, que você também poderá ouvir quando desejar e ela será exatamente a mesma; diferente de uma escultura ou pintura, para as quais se aplicam a mesma lógica, o teatro só se concretiza com o espectador presente - se a peça for gravada, já não é teatro, é uma gravação da peça e a sensação em nada se parece com a de presenciar a performance -, ele só existe no momento em que é feito e jamais, ainda que se tenha uma partitura minuciosa e mesmo que se tente repeti-lo, centenas de vezes, jamais será igual. E é isso que o torna único e tão belo, tão maravilhosamente belo.
          Também já havia refletido sobre esta questão de quanto nós, atores, mudamos, de um espetáculo a outro. Nosso estado de humor certamente interfere em nossa atuação e também a postura do público - e me atreveria a sugerir que até a sua energia - é preponderante. Influencia muito se a plateia é receptiva e reage ao que está assistindo ou, se por outro lado, é apática e "neutra". Aliás, a "conexão" espetáculo-plateia e as suas interferências no resultado da apresentação me parecem inquestionáveis e um excelente objeto de estudos.
          Outro fator que não deve ser ignorado é o fato de estarmos em constante metamorfose. As pessoas mudam, diariamente, segundo suas ações, escolhas, reflexões, e também segundo inúmeros fatores que estão fora de seu alcance, acontecimentos que independem de sua vontade ou livre arbítrio. E estas mudanças, ainda que imperceptíveis, também interferem em sua atuação teatral.


          Na sequência, Ubersfeld enfatiza a "imortalidade" do texto dramatúrgico frente à efemeridade de uma apresentação teatral:

          (...) a encenação de dez anosa trás, por mais qualidades que tenha apresentado, está hoje tão morta quanto o cavalo de Rolando. Mas o texto, esse é, pelo menos teoricamente, intangível, fixado para sempre. (UBERSFELD, 2005, p. 01)

        Como aprendiz de dramaturga - na atualidade, estou trabalhando na montagem da quarta peça teatral escrita por mim, Moeda de quatro caras, pela Cia Pelotense de Repertório; antes montei também Depois do Happy Ending, Constância e Hortência e Gilda -, respeitoi imensamente os autores teatrais e defendo que seus textos não sejam "mutilados". Sou contra alguns diretores que optam por fazer "colagens" de trechos ou frases soltas de várias peças ou simplesmente fazem inúmeras alterações no texto, modificando completamente sua ideia original. Defendo a liberdade de criação e de expressão, mas também defendo os direitos dos autores. Nestes casos, se não é a ideia proposta pelo texto dramatúrgico o que estão procurando, por que não fazer algo totalmente novo? Às vezes tenho a impressão que estes diretores estão interessados em promover-se às custas de nomes de dramaturgos consagrados, que dão "peso" e respaldo à montagem, embora na verdade não estejam interessados no conteúdo do texto, propriamente, ou não têm capacidade para criar algo seu.
          Por outro lado, apesar de meu respeito àqueles que escreve para teatro, creio que o texto só "toma vida" no momento em que é encenado. Fora isso, é apenas mais um texto literário, palavras no papel, mas não é uma peça. Assim, questiono a ideia da "duração" do texto sobre o espetáculo. Acho que é no momento em que ele está sendo apresentado é que está mais vivo do que nunca. E ainda que a apresentação termine, este momento de "vida absoluta" é que fica "fixado para sempre". A impressão na memória se perpetua mais que a impressão no papel.

Para ler o Teatro

Este blog foi criado em 13 de setembro de 2011, por solicitação do professor Adriano Moraes, como parte da disciplina de Semiologia Teatral, da qual participam os acadêmicos do oitavo e último semestre do curso de Teatro - Licenciatura da UFPel.


O primeiro eixo a ser trabalhado, "A palavra na textura teatral", é composto de três estudos. 
Os textos foram divididos em função de escolha dos participantes, ficando:
Texto de Anne Ubersfeld (até p. 68) - Joice/Célio/Patrícia
Texto de Patrice Pavis (da p. 185 a p. 210) - Flávio/Ana Alice/Neusa
Texto de Lehmann (p. 113 a p. 222) - Mauricio/Lucia/Inácio 


Cada acadêmico criará seu próprio blog. Este é o meu, Joice Lima. Aqui postarei minhas reflexões, considerações, dúvidas, sobre o texto Para ler o Teatro, de Anne Ubersfeld, mais especificamente sobre "Texto-Representação" e "O Modelo Actancial no Teatro".


Um forte abraço e sintam-se convidados a comentar!!!