terça-feira, 27 de setembro de 2011

Algumas considerações semiológicas sobre Senhorita Júlia

          Escolhi Senhorita Júlia (1888), do dramaturgo sueco August Strindberg (1849-1912), porque é um texto que apresenta alguns signos teatrais bem definidos e que, acredito, tornam a análise mais interessante. Outra razão, foi ter assistido a versão cinematográfica de Mike Figgis (1999) que - embora não se trate de uma peça, mas de um filme – possibilita uma análise comparativa entre as “propostas” do texto e “escolhas” feitas para a representação.

          O canário, que Júlia se recusa a abandonar, na hora de fugir com o mordomo, João – e que na sequência é morto por ele, com um golpe rápido e preciso – é, no texto dramatúrgico, um signal teatral, no sentido de ter sido intencional, por parte do autor, ponto de partida da discórdia entre os dois personagens, a ação que intensifica o conflito entre ambos e desencadeia uma série de ofensas mútuas. No texto, porém, ela própria sugere o trágico destino do pássaro. Ao se negar a deixá-lo pra trás e, percebendo a clara reação de João, que lhe ordena que largue a gaiola, Júlia se recusa a deixá-lo “em mão estranhas” e sentencia: “Prefiro que o mates”. No filme, por outro lado, parte das falas do diálogo original foram suprimidas, o que sugere outras proporções à ação do mordomo, que parece ainda mais insensível, calculista e cruel.

          No que tange à representação, algumas escolhas do diretor (sinais) atribuem toques poéticos à trama, tal como o líquido vermelho que jorra na fonte, evidenciando, de forma simbólica, o suicídio de Júlia. Os trajes do senhor Conde, pendurados na cozinha, representam, na forma de um código, a presença constante do pai e patrão, que os recorda, constantemente, das convenções sociais e do “terrível crime” que cometeram: ela, como jovem condessa, que jamais deveria relacionar-se intimamente com os criados; ele, como mordomo, fiel servo, que jamais poderia ter traído a confiança do admirado patrão.

          A escolha de Figgis para os atores - se foi proposital ou acaso, desconheço -, tendo a atriz inglesa Saffron Burrows como Julie e o escocês Peter Mullan no papel de Jean foi, além de muito feliz – a interpretação de ambos é irretocável - , curiosa. Ao optar por uma jovem condessa bem mais alta que o criado, Figgis intensifica a suposta superioridade dela, ao mesmo tempo em que acentua sua fragilidade. Por outro lado, na tomada seguinte à relação sexual dos dois, as posições se invertem e Jean está agora “mais alto” que Julie, o que denota a sua situação de superioridade, frente à patroazinha, que acabou de se entregar a ele. 
              
          Também na cena final, em que Julie implora ao mordomo que a ordene que pegue a navalha, o uso de um espelho que mostra a moça desfigurada, atribui o sentido conotativo da deformidade interior da jovem condessa, que se considera sem saída, diante do remorso.


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